quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Estórias de Pescaria

Bento Carvalho, meu pai, foi mateiro entre as décadas de trinta e quarenta quando ainda restava muitas matas intocadas que faziam parte do "mato grosso" como era conhecidas as matas que cobriam o noroeste do estado.
Assim como as matas, os rios, os riachos  e as nascentes eram de uma pureza impar e neles se abrigavam várias espécies de peixes. Desde os pequeninos até os gigantes como os Dourados e  os Surubis. As histórias, confirmadas pela minha mãe, assim como as estórias somente contadas pelo meu pai e corroboradas pelo Piúna um ajudante de ordens nos acampamentos que não merecia muita credibilidade, eu as contabilizo assim, como estórias. O Piúna, ou "seu" Piúna como chamávamos, pegou esse apelido devido aos mosquitinhos pólvoras que naqueles tempos eram chamados de piúna. Quando começava anoitecer nos acampamentos os gritos dele de ai piuuunaaa, indicava que o mesmo estava sendo "churrasqueado" como dizia meu pai. Outro que era de confiança era o "seu" Rizão. Nós o chamávamos assim devido a sua dentadura barata que usava que por mais que fechasse a boca, aparecia os dentes! Depois de adulto é que me dei conta, que os dentistas usavam conjuntos de dentes que não tinham saída, normalmente os maiores, e faziam descontos. Para nós crianças, não queríamos nem saber era "seu" Piúna e "seu" Rizão e pronto! Levávamos uns petelecos mas não largávamos disso. Pois esses dois não eram de muita confiança e volta e meia diziam amém às estórias contadas pelo meu velho. Recordo como se hoje fosse o Piúna concordando:
-É pura verdade Don Joel (que assim me chamava pelo quarto de sangue castelhano que tenho pela minha vó paterna que era uruguaia). Quando vinham em casa, era motivo de alegria para o velho e para nós criançada.
O pai, normalmente muito sisudo, soltava-se um pouco mais e fazia nossa alegria contando os causos.
Como meu pai virou mateiro? Meu velho tinha um dom que, dadas as devidas proporções, eu também possuo: um senso de  orientação muito grande, a chamada inteligência espacial, que me deu a oportunidade de cursar o curso de cabo no quartel e me proporcionar o primeiro lugar: fui cabo topógrafo. Continuando, o velho trabalhava na Prefeitura Municipal de Ijuí e nas férias e licenças prêmio, trabalhava para um engenheiro como desbravador nas colônias a serem implantadas, abrindo as picadas e demarcando-as. Naqueles tempos existiam duas marcas de biscoito o Duchem e o Aymoré que vinham em latas parecidas com as de banha. Os biscoitos eram vendidos por peso e quando as latas eram esvaziadas, meu pai as adquiria para levar mantimentos nas empreitadas. Quando, por força do consumo, as latas ficavam vazias, eram enchidas com caça e pesca imersas nas banhas em que eram fritas. Este era o cenário em que meu pai trabalhava.
Um certo dia, ao passar por um lajeado de mais ou menos 10 metros de largura, ouviu barulho de dourado caçando. Escolheu um pesqueiro, limpou o lugar deixou lenha seca para fazer um fogo e continuou com o serviço. Ao entardecer se dirigiu para o pesqueiro, fez o fogo iscou o anzol com uma rã, rebolou a linha grossa de algodão e arremessou, se voltando para arrumar o lugar para ficar mais confortável. Passou-se um tempo e, na outra margem do lajeado ele começou ouvir barulhos no mato. Não nascido de susto, desafivelou o Smith & Wesson calibre 32 e ficou alerta. Atiçou mais o fogo e do breu da noite veio rosnados do leão baio (puma), aí arrepiou o pelo. Com a linha na mão esquerda e a direita na coronha do revólver, esperou mas não por muito tempo: a linha correu, ele deu o tirão, o leão baio rugiu, barulho n'água pois o dourado é brigador, começou a puxar com as duas mãos e sem largar o revólver. Qual não foi sua surpresa quando trouxe fisgado, à luz do fogo, o leão baio apavorado e fisgado pelo beiço. Sem outra alternativa, um tiro na testa e o couro do bicho enfeitando o acampamento!
Verdade, Dom Joel, verdade!
MountainLion.jpg

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